Texto por Auto EsporteO consumidor brasileiro paga caro por automóveis desenvolvidos para os chamados países em desenvolvimento; fatores de mercado, legislação e lucratividade, entre outros, explicam tal questão.

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A Ford anunciou o fim da linha Fiesta no Brasil e o hatch não terá substituto: apenas o Ka seguirá no mercado. Apesar de compartilhar a plataforma e diversos componentes mecânicos com o modelo descontinuado, o compacto remanescente foi desenvolvido para os chamados mercados emergentes (América Latina, Rússia, Índia e diversos países asiáticos). O Ka é até vendido no velho continente, mas com projeto distinto.

Entre os projetos para países emergentes está o Chevrolet Onix, atual líder de mercado. A nova geração do modelo já foi lançada na versão Plus (sedã): desenvolvida na China, foi pensada para mercados de menor poder econômico desde na plataforma, batizada de GEM (Global Emerging Markets).

ONIX PLUS PREMIER FICOU UM POUCO MAIS CARO (FOTO: MARCOS CAMARGO/AUTOESPORTE)

Hyundai HB20 e Volkswagen Gol, que também têm bom desempenho comercial, são fabricados exclusivamente aqui. A linha da Fiat, que inclui Argo, Uno e Mobi, e da Toyota, composta por Etios e Yaris, incluem somente modelos regionais. O caso do Yaris é bem curioso, pois a gama tem um modelo com o mesmo nome diferentes do nacional, para Europa e América do Norte.

Há ainda o Nissan March, que aparentemente é idêntico à antiga geração global. Porém, crash tests do Euro NCAP e Latin NCAP revelaram que, em termos estruturais, o nacional mostra-se inferior ao seu similar da Europa. Já o Sandero é uma criação da romena Dacia, cujo posicionamento é inferior ao da Renault.

Na verdade, todos os projetos estão em outro patamar. Por isso, costumam ser inferiores a seus “primos ricos” em eficiência energética e segurança. Márcio Azuma, engenheiro mecânico e diretor de Segurança Veicular da AEA (Associação de Engenharia Automotiva) explica que o projeto cumpre parâmetros máximos e mínimos para poder ser adequado a diferentes contextos.

“Carros específicos para o terceiro mundo vão atender aos requisitos mínimos. Já um produto para o primeiro mundo vai se aproximar do nível máximo” diz Azuma. Ele pondera que muitas diferenças provém das condições de uso às quais os carros serão submetidos. São comuns, por exemplo, mudanças na suspensão, no sistema de combustível e de arrefecimento e até ampliação do porta-malas no chamado processo de tropicalização. “A estrutura pode, inclusive, ser mais reforçada quanto a resistência à pavimentação”, explica.

Porém, a professora Adriana Marotti, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, acrescenta que as diversidades não resultam apenas de ajustes. “Tropicalizar geralmente significa tirar equipamentos”, sintetiza. Os automóveis voltados aos países emergentes muitas vezes têm plataformas de modelos mais antigos. Isso quando todo o projeto não está uma ou duas gerações atrás dos similares de partes nobres do globo. “Fabricar por mais tempo é vantajoso, pois permite diluir os custos com ferramental”, complementa Marotti.

NOTA EM CRASH TEST DO NISSAN MARCH BRASILEIRO É INFERIOR À DO EUROPEU (FOTO: LATIN NCAP)

Comum nos segmentos de base, o desenvolvimento de produtos específicos torna-se raro em automóveis mais sofisticados. No Brasil, a partir dos modelos médios, a diferenciação é bem menor, ao menos estruturalmente. As disparidades, nesse caso, ficam por conta da quantidade de equipamentos.

Até mesmo automóveis que passaram por poucas alterações costumam apresentar inferioridades. O Volkswagen Polo é um bom exemplo: a atual geração do hatch compacto chegou ao Brasil menos de um ano após ser lançada na Europa. Os dois são visualmente idênticos. O modelo nacional conquistou nota máxima nos crash tests realizados pelo Latin NCAP, assim como seu “primo” vendido no Velho Continente.

VW POLO GT: APESAR DE SEREM IGUAIS, O EUROPEU TEM MAIS SEGURANÇA (FOTO: )

Tudo indica que os dois são idênticos, certo? Quase! O secretário geral do Latin NCAP, Alejandro Furas, informou que “a América Latina tem modelos que, embora sejam iguais aos da Europa, são produzidos localmente, com menos níveis de segurança. No caso do Volkswagen Polo, por exemplo, vale a pena destacar como grande diferença, a ausência do freio de emergência na América Latina, enquanto que, na Europa, esse equipamento é padrão”.

Furas explica que “ambos Polos têm airbags de proteção lateral de cabeça, só que o Polo do Brasil tem um airbag integrado de peito e cabeça, enquanto que o da Europa tem airbag de cortina. Do ponto de vista de proteção ao adulto em impacto de poste, os dois carros oferecem proteções similares”. Porém, o secretário geral do Latin NCAP pondera que “o airbag de cortina claramente tem mais robustez”. Ainda sobre o Polo, Furas prossegue: “é certo que (a Volkswagen) respondeu à exigência do Latin NAP para as 5 estrelas. Se houvéssemos exigido mais no impacto de poste, como passaremos a exigir no protocolo 2020, seguramente o Polo teria airbags de cortina padrão no Brasil”.

O representante da entidade ressalta que, “se o Latin NCAP demandasse, hoje, o mesmo que exige o Euro NCAP, seguramente o Polo seria melhor equipado, mas, ao mesmo tempo, outros modelos avaliados, que tem três estrelas, teriam zero estrelas. Nesta situação, não estaríamos oferecendo informação consistente ao consumidor, somente carros zero ou cinco estrelas.

Essa mensagem não permitiria ao consumidor ver as deficiências e as graduações de segurança. Hoje, as exigências do Latin NCAP estão acima das exigências dos governos. O Latin NCAP não quer “competir” com os governos, e sim fazer o mesmo que é feito na Europa ou Austrália, onde os Programas NCAPs são complementários aos exigidos por lei” conclui.

Então, seria o caso de constatar que os fabricantes procuram atender aos parâmetros dos testes do Latin NCAP, mas sem ir além? Bem, eis outro exemplo de carro, também da Volkswagen, que recebeu nota máxima no crash test do Latin NCAP: o Up! Quando o ensaio foi realizado, a entidade seguia um protocolo antigo, menos rigoroso. Na época, não era exigido controle de estabilidade, como atualmente. O subcompactosegue sem a salvaguarda eletrônica, enquanto na Europa possui até frenagem automática anticolisão.

TOYOTA ETIOS: SUCESSO NA ÍNDIA, FOI TRAZIDO AO BRASIL COM POUCAS ADAPTAÇÕES (FOTO: FABIO ARO/AUTOESPORTE)

Como os compactos têm maior volume e, geralmente, são exportados, pode valer a pena arcar com custos de desenvolvimento em prol de menores gastos de manufatura. “Muitas vezes, é por isso que as subsidiárias ganham autonomia para desenvolver projetos”, aponta.

O que chama atenção nesses casos é que, apesar de mais simples, os compactos nacionais não são, de modo geral, mais baratos que os produtos oferecidos no restante do globo. E, vale lembrar, o mercado brasileiro, apesar da crise dos últimos anos, está longe de ser pequeno.

Por que, então, o carro nacional custa caro mesmo sendo mais simples? Para Marotti, o setor automotivo no país ainda é muito protegido: “Nosso mercado tem um oligopólio, com algumas montadoras dominando grande parte das vendas”, afirma. Números da Fenabrave mostram que, juntas, Chevrolet, Volkswagen e Grupo FCA — com a Fiat e a Jeep — acumularam 46,7% dos emplacamentos no ano passado.

ONIX PLUS RECEBE 5 ESTRELAS NO TESTE DO LATIN NCAP (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Isso permite que os fabricantes trabalhem com margens de lucro maiores, em comparação a mercados onde há maior competitividade. Segundo Marotti, o chamado “Custo Brasil”, originado principalmente por impostos, contribui para elevar os preços, mas outros fatores também pesam. “Na Europa, a carga tributária sobre os veículos não é tão diferente da nossa”, conclui.

Gelton Pinto Coelho Filho, conselheiro efetivo do Corecon-MG (Conselho Regional de Economia de Minas Gerais), salienta que aproximadamente 40% do valor de um carro corresponde a impostos, mas lembra que o setor automotivo não divulga suas margens de lucro no país, de modo que tal assunto sequer é discutido. “As fábricas fazem vários estudos, muito desenvolvidos, sobre o mercado. Elas não produzem carros menos seguros por aqui à toa. É uma decisão realmente de cortar custos, percebendo que o consumidor não está ligado nisso”, pontua.

Diretor de comunicação da Renault, Carlos Henrique Ferreira fez questão de lembrar que a segunda geração do Clio, quando chegou ao Brasil, no fim dos anos 90, vinha com airbags frontais de série , mas esses equipamentos acabaram tornando-se opcionais nas versões de entrada. “Os airbags o deixavam nosso carro mais caro que os concorrentes do mercado. Nessa faixa, preço é um fator determinante”, afirma. O Clio, aliás, segue em produção na Europa, onde está duas gerações à frente. “Lá fora, um Clio custa € 20 mil. Só para importar e fazer a conversão, o preço seria multiplicado por 5. Isso sem contar impostos e outros custos”, justifica o diretor.

Para Marotti, a redução das diferenças entre os veículos comercializados no Brasil e os vendidos na Europa e na América do Norte depende de regulações e de determinações legais. Ela cita como exemplo a obrigatoriedade de airbags e freios ABS a partir de 2014. “Exigências governamentais ajudariam muito a elevar o nível dos produtos. Enquanto o mercado comportar e a legislação permitir esses carros, a indústria vai continuar vendendo-os”, conclui.

Já Azuma acredita que já há uma tendência de diminuição de diferenças entre os carros nacionais e seus similares vendidos no exterior. “O processo de homologação (de veículos no Brasil) já mudou. Hoje, eu acredito que todas as montadoras conseguem garantir as mesmas condições (de produção)”, opina.

Fonte original do texto: Auto Esporte

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