Texto por Revista Auto Esporte Consumidor brasileiro carece de versões mais baratas, não encontra nem se quiser comprar. A culpa é das montadoras.

Alguns modelos importados à venda no Brasil são oferecidos em versão única, e normalmente é a mais cara da gama. Caso de Honda Accord, Toyota Camry, Audi R8 e Chevrolet Camaro.

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Perguntamos para as fabricantes o motivo de alguns não virem nas versões básicas e muitas delas justificaram suas escolhas com base em pesquisas de mercado. Segundo as empresas, o perfil de consumidor de cada carro tem exigências que não justificariam a vinda de modelos menos equipados. Isso, claro, de acordo com as respostas oficiais.

O HONDA ACCORD É VENDIDO APENAS EM UMA VERSÃO QUE CUSTA MAIS DE R$ 200 MIL (FOTO: FABIO ARO)

Outra alegação é que versões mais em conta arranhariam a imagem da marca perante o consumidor brasileiro. Para as marcas, quem busca um carro premium ou esportivo não se contenta com pouco, tanto no quesito equipamentos quanto na entrega de potência.

Ou seja, oferecer um esportivo com motor de volume menor ou um sedã premium com ar-condicionado de apenas uma zona, para as fabricantes, corresponde a vender um apartamento de 300 m² sem varanda gourmet.

Assim como esse espaço no imóvel tornou-se uma espécie de demanda de nicho, os carros premium precisam de equipamentos considerados “obrigatórios”, característica de mercado que não necessariamente existem em outros mercados, como o americano, europeu e japonês.

A VERSÃO MAIS BARATA DO MUSCLE CAR, NOS ESTADOS UNIDOS, NÃO TEM ILUMINAÇÃO NO PARASOL (FOTO: DIVULGAÇÃO)

No caso de muscle cars e superesportivos é importante lembrar que tanto Ford quanto Chevrolet só vendem as versões topo de linha do Mustang e Camaro.

Como contraponto, a Jaguar vende o icônico cupê esportivo F-Type com propulsor 2.0 turbo de 300 cv por R$ 353.250, versão que é R$ 141.429 mais em conta que a V6 3.0 de 380 cv do mesmo modelo. Ou seja, o consumidor pode poupar mais de R$ 140 mil e mesmo assim desfilar com o belo felino.

O mesmo paralelo pode ser traçado por compradores de picapes médias com motorização flex. Carros com caçamba, originalmente, foram projetados para enfrentar trabalho pesado, carregar mais de uma tonelada e cumprir com seu dever no final do dia, seja em fazendas ou estradas.

Para tanto, nada melhor do que tração 4×4 e motor diesel. Mas, no fundo, não é isso o que acontece e grande parte das vendas se concentra em unidades que bebem gasolina/etanol, demonstrando que o público desses carros nem sempre é aquele idealizado no nascedouro do veículo.

Listamos alguns modelos que poderiam estar vivendo outra situação no Brasil, inclusive no número de vendas, se tivéssemos por aqui versões mais em conta. Os dois sedãs grandes japoneses, Honda Accord e Toyota Camry, só emplacaram 61 e 86 unidades, respectivamente, desde o começo de 2019.

Já o novo Chevrolet Camaro perde de lavada para o Mustang, com 58 vendas contra 140 do Ford até o fechamento de abril.

Honda Accord

Ele é considerado um sedã médio lá nos Estados Unidos, assim como Civic aqui no Brasil. E por falar em sedã médio, a Honda tem uma grande lacuna entre a versão topo de linha do Civic, que custa R$ 128.900, e a do Accord, com preço de R$ 204.900.

Esse espaço de R$ 76.000 poderia ser preenchido com uma versão mais em conta do Accord, assim como acontece nos Estados Unidos, por exemplo.

NOVA GERAÇÃO TEM CONTROLE ADAPTATIVO DE CRUZEIRO, QUE ACELERA E FREIA SOZINHO, CONFORME O TRÂNSITO (FOTO: FABIO ARO)

Naquele país, o sedã é vendido em seis versões: LX, Hybrid, Sport, EX, EX-L e a já conhecida Touring (topo de gama por aqui). A unidade de entrada, LX, não é equipada com o 2.0 turbo de 256 cv mas vem com o competente 1.5 turbo que, no Accord, tem 19 cv a mais que no Civic Touring, totalizando 192 cavalos.

O Accord LX dispensa alguns itens de acabamento e comodidade, como maçaneta cromada, spoiler traseiro, teto solar, sensor de chuva, retrovisor interno eletrocrômico, volante e manopla do câmbio revestido de couro, sensor de ré na cor do veículo, banco bipartido com aquecimento e de couro e sistema multimídia com navegação; e também alguns equipamentos de segurança: monitoramento de ponto cego, luzes de neblina, travamento automático das portas após distanciamento da chave presencial, grade ativa, farol alto automático e luzes de cortesia nos retrovisores.

ACCORD NÃO TEM CARREGAMENTO POR INDUÇÃO NA VERSÃO DE ENTRADA (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Podem ser itens importantes que mimam o consumidor mais exigente, mas facilmente dispensados para quem necessita de mais espaço.

Quando se compara as dimensões do Civic com as do Accord, o último tem distância entre-eixos 13 cm maior que o do sedã médio, o que proporciona muito mais conforto.

Além disso, o Civic dispõe de 519 litros no bagageiro, enquanto o sedã grande tem 574 l. Com isso, fica evidente que o mercado brasileiro poderia ser mais explorado pela fabricante japonesa, uma vez que essa versão LX do Accord custaria em torno de R$ 159.900, R$ 45 mil a menos que a Touring.

A VERSÃO TOURING É A ÚNICA DA GAMA COM HEAD-UP DISPLAY (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Em nota oficial, a fabricante respondeu: “A Honda oferece o sedã Accord no Brasil para atender a um perfil específico de consumidores, que buscam um sedã executivo com alto nível de tecnologia, conforto e conveniência, além de desempenho e segurança.

Pelo fato de o modelo ser importado dos Estados Unidos, há uma limitação no volume de veículos disponíveis para o mercado brasileiro.

Com base neste cenário, a Honda optou por concentrar sua atuação na versão Touring, flagship dos sedãs da marca, que oferece máximo de tecnologia, segurança e performance dentre os sedãs produzidos pela Honda em todo o mundo.”

Toyota Camry

O sedã da Toyota sofre do mesmo mal do Accord, mas ele seria ainda mais barato que o Honda, custando em torno de R$ 145 mil na configuração L. Aqui só é ofertada a configuração topo de linha, XLE, que custa R$ 206.200.

Contudo, o pior é que essa não é a unidade mais equipada do sedã grande, pois nos Estados Unidos o Camry é vendido na configuração XSE. Com apelo esportivo, o XSE adiciona volante com aletas para trocas de marcha, além de outras mudanças visuais, como faróis com máscara negra, lanternas escurecidas e rodas pretas de 19 polegadas (na XLE são de aro 18). Essa unidade é US$ 550 mais cara que a XLE lá na terra do Tio Sam.

V6 3.6 NÃO É OFERECIDO NA CONFIGURAÇÃO MAIS BARATA DO CAMRY, RESTANDO O 2.5 DE QUATRO CILINDROS (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Mas tudo poderia ser mais barato para os clientes brasileiros: o Camry de entrada cobra dez mil dólares a menos que o XLE, o que significa dizer que aqui ele ficaria abaixo dos R$ 150 mil.

Por esse desconto, é natural que ele perca alguns equipamentos de conforto e conveniência, como o motor V6 de 310 cv e 37 kgfm e até as rodas de liga leve. Com propulsor 2.5 aspirado com quatro cilindros o Camry produz 203 cv e 25,4 kgfm de torque.

Na versão de entrada as rodas são de aço cobertas com calotas.

DUPLA SAÍDA DE ESCAPÉ SÓ NA VERSÃO MAIS CARA (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Falta ao Camry L: escapamento com saída dupla, ar-condicionado de duas zonas, compartimento de carregamento por indução para celulares, computador de bordo com tela TFT de 7 polegadas (na versão L a tela é de 4,2”), bancos de couro com ajuste elétrico para motorista e passageiro e piloto automático adaptativo.

Na parte interna, não há banco traseiro dividido na proporção 60/40; volante de couro com aletas para trocas de marcha; modos de condução Eco, Normal e Sport, head-up display de 10 polegadas, chave presencial e com comando para abertura do porta-malas, retrovisor interno eletrocrômico, três entradas USB (só há uma), parassol com espelho e iluminação, luzes de leitura de LED para os passageiros da traseira e porta-copos e porta-garrafas para quem vai atrás.

Entre os itens tecnológicos, também abre mão do freio de estacionamento eletrônico, multimídia de 8 polegadas, teto solar panorâmico, monitoramento de ponto cego e alarme (há apenas imobilizador do motor).

Apesar da ausência desses equipamentos, o sedã já vem com câmbio automático de oito marchas, direção elétrica, ar-condicionado, vidros elétricos em todas as portas, volante multifuncional, sistema multimídia com tela de 7 polegadas, piloto automático, direção com ajuste de altura e profundidade e chave com controle remoto.

Ou seja, tudo o que é necessário para viver confortavelmente sem extravagâncias. Será que não valeria ter o Camry L por aqui?

TOYOTA CAMRY TEM ENTRE-EIXOS 12 CM MAIOR QUE O DO COROLLA (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Segundo a Toyota, não. Para Maurilio Pacheco, gerente de Produto e Preço da Toyota do Brasil, a fabricante tem de atender às exigências dos consumidores de veículos premium:

“A escolha comercial de apenas uma determinada versão, como é o caso do Camry, considera sempre a combinação de performance, nível de equipamentos e posicionamento adequado para atender as expectativas dos nossos clientes em cada segmento”, afirmou o executivo.

Chevrolet Camaro

Um dos carros que os brasileiros adoram comparar quando se coloca no papel o custo de vida brasileiro com o custo de vida norte-americano é o Camaro. Nós sabemos que eles pagam muito menos para ter qualquer produto manufaturado, como celulares, computadores, televisores e, principalmente, automóveis.

Mas é preciso tomar cuidado, pois muitas vezes o muscle car passa por comparações injustas.

Sem defender o preço praticado pela GM no Brasil, a versão SS topo de gama – a única vendida no Brasil por R$ 328.990 – é comercializada nos Estados Unidos e lá também é cara, custando 39.590 dólares (R$ 158.800).

Nos EUA, a versão mais em conta LS custa US$ 25.995 com câmbio manual de seis marchas (cerca de R$ 104 mil). Além de menos equipada, vem com propulsor 2.0 turbo (de 275 cv de potência e 40,7 kgfm de torque).

Ou seja, nem no melhor dos sonhos teria o 6.2 V8 com 461 cv e 62,9 kgfm de torque com câmbio automático de 10 marchas por esse preço. Mas há uma certeza: ele ajudaria a Chevrolet a vender mais unidades do cupê, que já perdeu o reinado para o Ford Mustang há muito tempo.

Ou seja, a Chevrolet poderia vender unidades mais baratas do muscle car que, mesmo sem o V8, já chama atenção por ser quem é.

Há ainda a opção 3.6 V6 LT, que parte de US$ 27.990 (ou R$ 122.240 sem impostos), e entrega 340 cv e 39,2 kgfm, e seria um ótimo custo-benefício para quem quer desempenho e um belo carro para desfilar.

Seu 0 a 100 km/h é apenas 1,2 segundo mais lento que o V8, realizando a prova em 5,2 s.

MOTOR 6.2 V8 DE 461 CV SÓ ESTÁ DISPONÍVEL NA CONFIGURAÇÃO SS (FOTO: DIVULGAÇÃO)

O pacote SS traz a mais, além dos diferenciados para-choques dianteiros e traseiros, faróis com luz diurna de LED, sistema de som Bose com nove alto-falantes, freios com pinças Brembo no eixo traseiro, ar-condicionado de duas zonas, retrovisor interno eletrocrômico, sensor de estacionamento, monitoramento de ponto cego e aviso de tráfego cruzado.

Assim, as duas versões, tanto a mais cara quanto a mais em conta, têm bancos esportivos, controle de tração e estabilidade, freio de estacionamento eletrônico, direção elétrica, suspensão esportiva, volante e manopla de câmbio revestidos de couro, direção com regulagem manual de altura e profundidade, multimídia com serviço OnStar, câmera de ré e bancos elétricos.

OUTRO ITEM RESERVADO PARA A VERSÃO TOP DO CAMARO É O CÂMBIO AUTOMÁTICO DE DEZ MARCHAS (FOTO: FABIO ARO/AUTOESPORTE)

Os equipamentos menos requintados da LS são o ar-condicionado de apenas uma zona, retrovisor interno sem escurecimento automático, não há espelho no parassol e sensor de ré.

A Chevrolet alegou que a estratégia do Camaro é específica para a marca, ajudando a manter uma imagem de pura esportividade e de luxo, não apenas como uma fabricante que vende populares em grande escala: “os produtos premium, como o superesportivo Camaro, ajudam na construção de marca, por carregarem fortes atributos aspiracionais.

Em certos casos, o foco não é o volume, tanto que o Camaro aqui no Brasil é comercializado apenas na versão mais completa, porque o público desse tipo de carro valoriza exclusividade”, afirmou Rogério Sasaki, gerente de Marketing de produto da GM.

CHEVROLET TRAILBLAZER SÓ É COMERCIALIZADA NO BRASIL NA VERSÃO PREMIER (FOTO: DIVULGAÇÃO)

O mesmo fenômeno acontece com o SUV Trailblazer, que aqui só é vendido na versão topo de linha, Premier, mas pelo menos o consumidor pode escolher entre um motor à gasolina 3.6 V6 de 279 cv (R$ 193.190) ou 2.8 turbodiesel de 200 cv (R$ 235.990). Segundo Sasaki, isso se justifica porque é um modelo “de grande porte ideal para quem precisa de força e autonomia.”

O gerente garante que há estudos para trazer outras configurações do SUV 4×4, principalmente as que têm apelo esportivo, como é o caso da Chevrolet S10 Midnight com visual diferenciado. Porém, não haverá descarte de equipamentos para deixar o carro mais em conta.

“Na última edição do Salão do Automóvel de São Paulo, mostramos um protótipo do Trailblazer dentro do conceito Black, com acabamentos escurecidos até da gravata Chevrolet. Estudamos torná-lo comercial, mas teria de ser completo também, para que o produto não perca o prestígio até aqui conquistado.”

AUDI R8 V10 PERFORMANCE ACELERA DE 0 A 100 KM/H EM 3,2 SEGUNDOS (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Audi R8

O superesportivo da Audi é outro modelo que poderia ser pelo menos R$ 100 mil mais em conta se não cobrasse tanto por itens supérfluos, como apliques de carbono que lhe renderam apenas 9 km/h de velocidade final a mais e só 0,2 segundo de diferença para versão de entrada.

Mas, no dia a dia, o consumidor não vai sentir a diferença entre 321 km/h e 330 km/h em nenhum autódromo, nem mesmo em rodovias. Menos provável ainda vai ser o comprador notar se o carro chegou aos 100 km/h em 3,4 s ou em 3,2 s

Os freios de cerâmica, comprados como opcional, fazem parte do pacote Performance e esses sim podem proporcionar diferenças significativas para quem dirige, principalmente porque oferecem frenagem mais eficiente. De resto, apenas mudanças estéticas são feitas no R8 Performance.

DIFUSOR E SPOILER TRASEIROS DE TITÂNIO ENCARECEM O R8 EM CERCA DE R$ 105 MIL (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Não há esperança: carros que ajudam a construir a identidade da marca, sofisticados e superesportivos não serão comercializados em versões mais em conta no Brasil. Até o VW Golf, que é um hatch médio, parou de ser vendido nas versões 1.0 e 1.4, restando apenas a GTi – que corresponde por 15% das vendas.

A VW aposta no Polo para preencher a lacuna deixada pelo Golf mais barato. Outra questão que prejudica o nosso mercado é ficar à mercê da desvalorização da moeda brasileira. Por isso, é bem improvável que teremos um muscle car na casa dos R$ 200 mil em futuro próximo.

Fonte original do texto: Revista Auto Esporte

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